Comemorado neste sábado, dia 27 de maio, o Dia Nacional da Mata Atlântica nos traz alguns alertas. O primeiro deles é que a Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira (24), a medida provisória sobre a regularização ambiental (MP 1.150/2022). Ignorando a votação no Senado, a Câmara reintroduziu trechos que tinham sido rejeitados pelos senadores por serem considerados estranhos ao texto original (os chamados “jabutis”).
O texto original tinha um único objeto: prorrogar o prazo de adesão dos produtores rurais ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), o qual vencia no último dia de 2022. No entanto, os jabutis foram incluídos durante a primeira análise da MP, realizada pela Câmara.
A WWF Brasil alerta que o texto final: prorroga pela sexta vez o prazo para inscrição no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) a fim de que o proprietário ou possuidor possa gozar de benefícios quando de sua adesão ao PRA; vincula a adesão ao PRA a um custoso processo de análise e validação de informações, o que pode atrasar ainda mais a implantação do programa, já atrasada em 10 anos. E o principal e mais nefasto, altera diversos dispositivos da Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/2006), abrindo espaço para um aumento no desmatamento da vegetação mais bem preservada (primária e secundária) desse bioma, que é o mais destruído do país; reduz as salvaguardas para a ocupação de Áreas de Preservação Permanente urbanas, induzindo a ocupação de áreas de risco; diminui, arbitrariamente, as Zonas de Amortecimento de Unidades de Conservação que estejam próximas a áreas urbanas, debilitando a utilidade desse instrumento legal.
Se sancionada como está, a lei permitirá, por exemplo, a instalação de linhas de transmissão de energia, gasodutos e sistema de abastecimento público de água na Mata Atlântica sem estudo prévio de impacto ambiental ou compensação. O texto também dispensa, em casos desses empreendimentos lineares, a captura, coleta e transporte de animais silvestres quando do processo de supressão da vegetação, garantida apenas sua afugentação.
Segundo dados divulgados nesta semana pelo Atlas da Mata Atlântica, entre os meses de outubro de 2021 e de 2022 foram destruídos mais de 20 mil hectares de Mata Atlântica. Isso corresponde a mais de 20 mil campos de futebol desmatados a cada três dias.
Para que se reafirme o compromisso real do país com o meio ambiente e a fim de evitar um retrocesso na legislação ambiental cabe, agora, ao presidente da República vetar o texto aprovado pela Câmara dos Deputados. Da mesma forma, caberá ao Senado manter o veto.
Reestruturação ministerial e Marco Temporal
Ainda na quarta-feira, a Comissão Mista do Congresso Nacional que analisa a reestruturação ministerial do Governo Federal aprovou o relatório da MP 1.154/2023. O relator fez modificações que afetam principalmente o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
Com o novo texto, a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) sai do MMA e vai para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), levando um instrumento de política ambiental para um ministério sem essa competência técnica. A política de recursos hídricos vai para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MDR), quebrando o princípio da integração e indissociabilidade da gestão das Águas e do Meio Ambiente. Já a gestão de resíduos sólidos vai para o Ministério das Cidades.
As mudanças também retiram do MPI a atribuição de realizar a demarcação das terras indígenas, que vai para o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), ameaçando direitos dos povos indígenas. O texto da MP 1.154 segue em análise no Congresso Nacional.
No mesmo dia, a Câmara dos Deputados aprovou tramitação em regime de urgência da proposta que prevê a aplicação do marco temporal na demarcação de terras indígenas. Pelo projeto, só podem ser demarcadas terras que já eram ocupadas por povos indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Com o regime de urgência, o texto pode ser votado diretamente em plenário na Câmara, sem passar por discussão prévia em comissões. Se aprovado, segue para análise do Senado e, caso também tenha aprovação dos senadores, irá para sanção ou veto presidencial.
Vale lembrar que o marco temporal também está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão irá definir o rumo de mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto.