A raia-viola-de-focinho-curto (Zapteryx brevirostris) também é conhecida por outros nomes no Paraná, como por exemplo: raia-gardino, raia-machete ou raia-tuiuiú. Esta espécie bentônica é pequena, podendo chegar até 66 cm de comprimento. A raia-gardino faz parte da ordem Rhinopristiformes, as raias dessa ordem possuem formato corporal de viola e não possuem ferrão em sua cauda.
A Z. brevirostris ocorre desde o Espírito Santo, no Brasil, até Buenos Aires, na Argentina. Ao se enterrar ou buscar alimento no fundo, essa raia movimenta partículas do substrato marinho, ajudando a circular nutrientes e pequenos organismos no ambiente, sendo assim, são espécies de suma importância para a saúde e equilíbrio dos ecossistemas marinhos.
As raias-gardino são frequentemente capturadas incidentalmente durante a pesca do linguado no litoral paranaense, especialmente entre os meses de julho e setembro. Esse tipo de pesca não tem o objetivo de capturar diretamente as raias, mas como elas habitam o fundo do mar juntamente com o linguado, elas acabam sendo capturadas como fauna acompanhante. Considerando que de acordo com as Listas Vermelhas, no mundo, a raia-gardino é categorizada como “Em perigo” de extinção e no Brasil ela é categorizada como “Vulnerável” à extinção, é de suma importância realizar ações que busquem pela conservação da espécie.
Nessa busca pela conservação das raias-gardino, a boa notícia é que, há mais de uma década, pescadores e pesquisadores vêm trabalhando juntos para preservar essa espécie. Há cerca de 12 anos, a pesquisadora Bióloga Dra. Natascha Wosnick (CRBio 108.168/07-D) iniciou o programa de soltura compensatória de raias-gardino junto aos pescadores artesanais de Matinhos e Shangrilá (Pontal do Paraná). Neste programa, as raias desembarcadas com vida são devolvidas ao mar, com o objetivo de preservar a população desta espécie que ocorre em águas paranaenses.
Um fator crucial para o sucesso dessa iniciativa é a resiliência desta espécie em relação ao estresse que a captura e o manuseio causam aos indivíduos. A maioria das espécies de tubarões e raias é sensível ao processo de captura e manuseio, e muitos desses animais acabam não sobrevivendo depois de serem pescados. No entanto, a raia-gardino é uma verdadeira exceção a essa regra. Essa espécie é tão forte e resistente que, mesmo após o estresse da captura, ela consegue se recuperar rapidamente. Sua robustez impressionante faz com que tenha uma taxa de mortalidade baixa quando é devolvida ao mar, mostrando uma incrível capacidade de adaptação e sobrevivência.
De fato, os pesquisadores do Rebimar avaliaram os impactos do estresse da pesca na recuperação destas raias. Em um artigo publicado em 2024 na revista “Animal Conservation”, a equipe investigou se o protocolo de reabilitação implementado é eficiente. Esse protocolo consiste em, após o desembarque em que os animais sofreram com o estresse de captura, mantê-los em recintos estáveis por três dias, e durante este período os animais e a qualidade da água são monitorados constantemente. Por fim, após os três dias de monitoramento, os animais são devolvidos ao mar.
Buscando ver o quão estressados os animais estavam antes e depois do monitoramento, os pesquisadores coletam uma amostra de sangue dos animais antes deles serem colocados nos recintos, e outra amostra de sangue após os três dias de monitoramento antes de devolver os animais ao mar. Depois de realizar análises de marcadores fisiológicos no sangue dos animais, os pesquisadores obtiveram a resposta de que o monitoramento é um sucesso!
Os animais que passam por esse protocolo de reabilitação são capazes de reverter todos os efeitos fisiológicos do estresse, e estão 100% habilitados para voltar ao mar. Assim, há a garantia de que estes animais estão sendo devolvidos à água de maneira saudável, minimizando os danos causados pela captura incidental.
Considerando a comprovação do protocolo de reabilitação das raias-gardino, a equipe de raias e tubarões do programa Rebimar segue há três anos realizando a reabilitação e soltura de raias em conjunto com a comunidade pesqueira. Esse esforço colaborativo já devolveu mais de 3.500 raias ao mar!
A parceria entre ciência e comunidades pesqueiras é um caminho promissor para a conservação. A luta para proteger essas espécies é desafiadora, mas o trabalho conjunto tem mostrado que é possível garantir um futuro para a biodiversidade marinha. Ademais, a inclusão de membros da comunidade pesqueira é super importante, pois muitas vezes os mesmos são apontados como “vilões”, o que é extremamente incorreto.
A conservação só será atingida se a sociedade mudar os padrões de julgamentos e atitudes, e o programa Rebimar está aqui para comprovar que os pescadores são atores fundamentais para a conservação das espécies, não só de raias-gardino, mas de todas as espécies marinhas em geral.
Outro aspecto fundamental na conservação da natureza é envolver a sociedade de forma ampla em ações diretamente voltadas à preservação do meio ambiente. Pensando nisso, a equipe do programa Rebimar promove a participação ativa de turistas e moradores locais nas solturas das raias-gardino. Ao incluir a comunidade nessas atividades, o programa busca não apenas sensibilizar o público sobre a importância da preservação, mas também criar uma conexão direta entre as pessoas e os esforços de conservação, tornando cada soltura uma experiência educativa e transformadora.
É importante lembrar que as raias-gardino não possuem ferrão e não oferecem nenhum risco para os seres humanos, sendo assim, até mesmo crianças podem participar e devolver as raias para o mar. Durante estas atividades os membros da equipe do Rebimar ensinam a maneira correta de segurar e soltar os animais, além de realizar uma breve explicação sobre a importância e as características dessas raias.
Esse momento educativo também abre espaço para que as pessoas façam perguntas e descubram curiosidades sobre esses animais fascinantes. A integração entre pesquisadores, pescadores e comunidade em geral, tem se mostrado uma ferramenta valiosa para a conservação, apresentando ótimos resultados ao longo destes últimos anos.
A partir do momento em que todos reconhecerem que nós, seres humanos, fazemos parte do meio ambiente e nossas atitudes refletem na preservação das espécies, atingimos um senso de responsabilidade que irá auxiliar na conservação da biodiversidade.
É importante lembrar que o manuseio e soltura dos animais é sempre feito com a supervisão e auxílio de profissionais treinados e experientes. JAMAIS manuseie um animal selvagem sem orientação adequada.
Autoras: Eloísa Pinheiro Giareta, Renata Daldin Leite Leonardo de Paula Rios e Natascha Wosnick
Fonte: Rebimar