O Conselho Federal de Biologia publicou a Resolução CFBio nº 715/2024, que dispõe sobre a atuação de Biólogas e Biólogos em Biossistemas Agrícolas e estabelece as prerrogativas e competências do profissional. A normativa reforça a importância do trabalho dos profissionais que atuam nessa área e traz mais segurança jurídica.
A profissão, que acaba de completar 45 anos de regulamentação, tem bons exemplos de atuação nesse campo. É o caso do Biólogo Paulo Luciano da Silva (CRBio 50.303/07-D), que trabalha com a produção de Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) e realiza oficinas para estudantes de gastronomia. Nessas atividades, ele ensina sobre o potencial botânico nutracêutico e medicinal das plantas.
Além de falar sobre a importância e os benefícios das PANCs, Paulo Luciano destaca como a Biologia e a atuação de um profissional são importantes nessa atividade. Confira a entrevista:
O que são as Plantas Alimentícias Não Convencionais?
São plantas que nascem espontaneamente em áreas de cultivo ou em terrenos não cultivados e até mesmo em áreas de jardins. O fato de surgirem de forma natural em diferentes lugares faz dessas plantinhas um grande diferencial quando comparadas às hortaliças cultivadas de maneira convencional, como alface, couve, cenoura e outras. São utilizadas uma ou mais partes das plantas – folhas, flores, frutos, raízes, caules e sementes – ricas em elementos nutricionais importantes para nossa saúde, como vitaminas, sais minerais, proteínas e antioxidantes. Muitas vezes, apresentam níveis desses nutrientes superiores aos dos alimentos convencionais que consumimos regularmente. São chamadas de “não convencionais” por não estarem presentes na alimentação diária da maior parte da população e por não possuírem cadeia produtiva em escala. Por isso, não aparecem frequentemente nas bancas das feiras ou prateleiras de supermercados. Atualmente, por suas qualidades, têm sido resgatadas e conquistado a preferência de chefs de cozinha.
Qual a importância dessas plantas?
As PANCs são muito importantes, pois além de nutritivas protegem o solo e os rios do assoreamento, atraem polinizadores, são indicadores das condições de solo e possuem alto valor nutricional e medicinal. Essas plantas permitem a elaboração de diferentes produtos alimentícios na gastronomia e também funcionam como fitoterápicos na medicina tradicional, com validação científica. Têm sido descobertas por renomados chefs de cozinha que, com seus conhecimentos, estão elaborando pratos deliciosos, de alto valor nutricional, saborosos, aromáticos e com propriedades diferenciadas graças à matéria-prima utilizada. Podem ainda ser usadas na produção de geleias, saladas, refogados, sucos verdes, panifícios, condimentos, além de muitas delas apresentarem potencial aromático e medicinal.
Na culinária, podemos utilizar parte destas plantas de acordo suas características próprias. Por exemplo: raízes: cúrcuma (Cúrcuma longa), inhame (Colocasia esculenta), bardana (Arctium lappa); folhas: urtiga (Urtiga dioica), pulmonária ou peixinho (Stachys byzantina), ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata), beldroega (Portulaca oleracea); dente-de-leão (Taraxacum officinale); flores: hibisco (Hibiscus sabdariffa), açucena (Hedychium coronarium), capuchinha (Tropaeolum majus); sementes e frutos: aroeira (Schinus terebinthifolius), jaca (Artocarpus heterophylus), azulzinha (Clidemia japurensis); maria pretinha (Solanum americanum); amora preta (Morus nigra).
Quais são os desafios e as vantagens em atuar com as PANCs?
Um dos principais desafios é tornar as PANCs acessíveis a todas as camadas da população, ao lado das produções convencionais. Muitas vezes, essas hortaliças são desprezadas ou vistas como mato, inço ou erva daninha. No entanto, elas são altamente nutritivas e podem enriquecer nossa alimentação de maneira saudável e econômica.
Outro desafio é resgatar seu uso como alimento na elaboração de pratos, sucos, geleias e outras preparações. É interessante realizar trabalho educativo nas redes de ensino, especialmente com crianças, cujo paladar ainda está em desenvolvimento.
Além disso, é fundamental despertar e conscientizar os agricultores sobre o potencial das PANCs, os quais podem diversificar os produtos na propriedade, ampliando a oferta disponível ao consumidor. Inserir as PANCs na cadeia produtiva é uma forma de agregar valor e enriquecer a biodiversidade local.
Também é importante divulgar o potencial nutracêutico e funcional das PANCs. Para os agricultores, elas podem ser mais uma alternativa de renda. Essas plantas são de fácil cultivo, pois se adaptam facilmente a diferentes condições de solo e clima, são resistentes aos ataques de pragas e doenças e não exigem adubações químicas nem defensivos agrícolas. Isso reduz significativamente os custos de produção.
Como o trabalho com as PANCs pode contribuir para a biodiversidade e a sustentabilidade alimentar?
O trabalho com as PANCs é interessante, pois contribui para um ambiente rico, equilibrado e diversificado. Seu cultivo resulta em alimentos ricos em vitaminas, sais minerais, fibras e outros nutrientes essenciais para regular as funções do organismo e protegê-lo contra diversas doenças. Além disso, proporciona equilíbrio e harmonia no ambiente em que se desenvolve.
Quais habilidades e conhecimentos específicos da Biologia são necessários para atuar com plantas alimentícias não convencionais?
Ser estudioso e observador, conhecer os princípios da etnobotânica e gostar de Botânica, incluindo noções morfológicas e taxonômicas para identificação de plantas.
Quais práticas e métodos você utiliza para estudar e promover o uso das PANCs? Como essas práticas refletem sua formação?
Utilizo aulas com recursos audiovisuais, seguidas de oficinas práticas com exposição de produtos para fixação do aprendizado. Em seguida, os participantes elaboram pratos, sucos e geleias com ingredientes de PANCs para validar receitas (em cursos de gastronomia). Também realizo visitas a propriedades agrícolas para conhecimento e identificação de espécies vegetais. Outro aspecto importante do trabalho é o contato com comunidades tradicionais, promovendo trocas de experiências e conhecimentos científicos com o saber tradicional, gerando alternativas produtivas para o bem coletivo.
Além disso, realizo oficinas práticas em campo, complementando o currículo escolar com repasse de conhecimentos técnicos sobre temas como saneamento básico, recursos naturais, agricultura orgânica e controle biológico.
Recentemente o CFBio publicou Resolução nº 715/2024, que dispõe sobre a atuação do Biólogo em Biossistemas Agrícolas. Qual a importância da regulamentação para garantir a qualidade e a segurança no trabalho do Biólogo tanto com plantas alimentícias como em outras atividades?
A regulamentação da resolução é importante e oportuna, pois assegura a atuação do Biólogo em Biossistemas Agrícolas, abrangendo diversas áreas de conhecimento. As PANCs estão intrinsecamente ligadas a temas como alimentos orgânicos, agroecologia e soberania alimentar. Atuamos efetivamente na orientação de práticas para a produção agroecológica, agricultura orgânica de baixo impacto, saneamento básico, tratamento de efluentes, controle biológico, sistema agro florestal, controle de vetores e pragas, entre outros.