“Os próximos passos precisam ser tomados com base em ciência de qualidade”, afirma o Biólogo Antônio Luís Petersen.
Com uma marca de 10 mil exames da COVID-19 em 19 dias – conforme contabilizado em maio, o Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia (Lacen-Bahia) é a unidade de detecção da COVID-19 para exames realizados na rede pública do estado. Entre fevereiro e abril deste ano, era o único laboratório da Bahia com capacidade instalada e equipe treinada para realizar a testagem por RT-PCR para o SARS-Cov-2 e recebia amostras colhidas em pacientes das unidades de saúde públicas, filantrópicas e privadas.
É no Lacen Bahia que atuam alguns dos Biólogos que estão na frente do combate à pandemia no estado, como Antônio LuisPetersen (CRBio 105.557/08-D), mestre e doutor em Patologia Experimental pela Universidade Federal da Bahia/FIOCRUZ/BA, com um período no InstituteofInfection, ImmunityandInflammation da Universityof Glasgow, Escócia, e que atua também como professor universitário em Salvador.
Petersen conversou conosco sobre seu trabalho no Lacen, a importância da presença de Biólogos na área de saúde e sobre a necessidade de valorização da ciência.
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CFBio/CRBios – A seu ver, a rotina de trabalho do Lacen mudou com a COVID-19? Quando isso aconteceu e como?
Petersen – Sim, a rotina mudou drasticamente no Lacen. Essa percepção de mudança começou no período do carnaval. Como sempre, o Lacen tem plantão de funcionamento durante o carnaval e qualquer evento de massa que aconteça em Salvador, como também ocorreu durante a Copa América em 2019. No período de carnaval já se sabia da circulação do SARS-COV-2 e nós que estávamos de plantão para realizar ensaios e produzir laudos de síndromes respiratórias já sabíamos da possibilidade dessa “nova” doença e trabalhávamos na expectativa de um resultado positivo.
CFBio/CRBios – Quais têm sido as atuações e responsabilidades atribuídas aos profissionais Biólogos do Laboratório?
Petersen – Os Biólogos do LACEN estão participando diretamente e eu diria que à frente dos ensaios relacionados com COVID-19. Biólogos assim como outros profissionais da área de saúde participam desde o recebimento e cadastro das amostras, ensaios relacionados a detecção do genoma viral e liberação de laudos.
CFBio/CRBios – Pode nos contar um pouco sobre a realização de exames por RT-PCR? O senhor precisou de alguma formação prévia para iniciar no método? Quais conhecimentos básicos das Ciências Biológicas o profissional deve ter para realizar esse tipo de exame?
Petersen – A realização de ensaios de RT-PCR precisa de conhecimento e técnica. Se você nunca realizou uma PCR, antes você terá um grande desafio pela frente. Treinamentos foram realizados na FIOCRUZ do Rio de Janeiro para os ensaios de COVID-19 especificamente, no entanto, a técnica de RT-PCR foi aprendida com auxílio dos funcionários do Lacen que já utilizavam essa mesma técnica para o diagnóstico de outras viroses. A experiência com o mestrado e doutorado na área de saúde também forneceu um background para a realização desses ensaios sem maiores dificuldades, além disso, os kits para detecção de SARS-COV-2, assim como outros kits de PCR, são o mais simples, direto e prático possível. Isso facilita o manuseio e a realização do ensaio, mas, mesmo assim, é essencial um treinamento específico.
A realização desses ensaios requer um conhecimento prévio de biologia molecular e celular. O conhecimento de bioinformática também ajuda na interpretação dos resultados.
CFBio/CRBios – Além da rotina de trabalho, o senhor percebe muito impacto em sua rotina pessoal após a COVID-19?
Petersen – Sim, sem dúvida! A demanda de trabalho no Lacen aumentou significativamente para todos os setores, já que trabalhamos em rede e os ensaios de RT-PRC para SARS-COV-2 dependem de diferentes setores como recepção de amostras, preparo de meios de cultura, limpeza etc. Além disso, sou professor de uma Instituição de Ensino Superior aqui de Salvador e estamos tendo aulas virtualizadas, em que professor e alunos se encontram via aplicativos de videoconferência onde as aulas acontecem normalmente. No entanto, isso demandou todo um trabalho de adaptação das aulas e metodologia, o que consome muitas horas de trabalho.
CFBio/CRBios – Quais seus direcionamentos de educação continuada possibilitaram a atuação na área da saúde?
Petersen – Como eu disse anteriormente, assim que terminei minha graduação fiz mestrado e doutorado na área de saúde, mais especificamente em patologia experimental no PPG em Patologia da UFBA/FIOCRUZ. Tive inclusive a oportunidade de passar um ano na Universidade de Glasgow (Escócia) me especializando na área.
Esse é um ponto muito importante para nós Biólogos. Estamos completamente habilitados a realizar esse tipo de ensaio biológico. Claro que precisamos de um treinamento específico e prático, mas o conhecimento teórico está lá, aprendemos durante a nossa graduação. Cursos de educação na área de saúde são importantes e abrem portas, vagas de emprego para os capacitados a realizar tais atividades, estando tais vagas dentro do escopo e área de atuação dos Biólogos. Devemos, assim, nos interessar mais pela área de saúde e disputar nosso espaço com outros profissionais da área.
CFBio/CRBios – Tem percebido avanços nas ações de detecção e tratamento? Acha que a dolorosa experiência com a COVID-19 pode trazer quais lições ou avanços para a ciência, profissionais de saúde e demais instâncias que lidam diretamente com o enfrentamento de doenças causadas por vírus?
Petersen – Sim. O Lacen aumentou significativamente a sua capacidade de testagem. Foram comprados novos aparelhos para automação de parte dos ensaios, o espaço dedicado a COVID-19 foi ampliado assim como o número de funcionários para dar conta da demanda crescente de ensaios, não à toa a Bahia figura entre os estados que mais testam para COVID-19; o que não significa dizer que estamos bem quando levamos em consideração outros países, inclusive aqui da América Latina.
É essencial que aprendamos com a crise que estamos vivendo. Aprender com erros não fatais é comum para a grande maioria dos animais, principalmente os mamíferos. A principal diferença é a capacidade humana de utilizar esse aprendizado para diferentes situações futuras, adaptando o aprendizado para enfrentar novos desafios. Essa pandemia vai servir para demonstrar de uma vez por todas que o SUS é essencial aqui no Brasil, principalmente por conta do abismo social no qual nos encontramos, assim, o SUS deve ser defendido e reforçado. Também acredito que o sistema de vigilância epidemiológica vai se capacitar e preparar-se para atuar de forma antecipada em situações similares, afinal vimos o filme da pandemia se desenrolando em nossa frente e atuamos em um momento terrivelmente tardio perdendo semanas de preparo a de ações que poderiam salvar 20, ou quem sabe 30 mil vidas.
Espero, também, que a ciência passe a fazer parte da lista de prioridade dos governos, o atual e os próximos. Conhecimento científico é uma coisa que temos como garantido e somente no real momento de necessidade percebemos que ele pode estar falho; um país cientificamente capacitado é um país capaz de lidar com pandemias, guerras, crises econômicas, desastres naturais e qualquer outro tipo de crise com muito mais responsabilidade e parcimônia, reduzindo, assim, os danos que qualquer crise possa vir a causar.
Atualmente o Brasil namora com a retomada das atividades e fim da quarentena; o período, que coincide com patamares crescentes de novos casos e mortes por COVID-19, é uma excelente oportunidade para avaliar exemplos de outros países, consultar os melhores sanitaristas e epidemiologistas e tomar uma decisão sobre os próximos passos com base em ciência de qualidade e provar para seus cidadãos que a época da opinião e do “achismo” ficou para trás, na idade média, e atualmente decisões sobre a vida de 210 milhões de habitantes são tomadas com base em evidências.