Projeto realizado no Paraná tem contribuído para a preservação da onça-pintada na Mata Atlântica

29 de janeiro de 2020

Confira entrevista com a bióloga Yara de Melo Barros, coordenadora executiva do Projeto Onças do Iguaçu


* Entrevista publicada na edição nº 41 da Revista BIOPARANÁ. Confira a edição completa aqui.

A onça-pintada (Panthera onca) é uma das espécies mais ameaçadas que vivem no bioma Mata Atlântica, onde se estima que menos de 300 desses felinos sobrevivem atualmente. A espécie é encontrada em pequenas populações isoladas em diversos países na América do Sul e Central, conforme aponta o estudo publicado em 2016 na revista Scientific Reports (confira o artigo na íntegra em www.nature.com/articles/srep37147).

Essa preocupante realidade tem sido revertida na região de Foz do Iguaçu, no Paraná, local onde é realizado o Projeto Onças do Iguaçu. Trata-se de um projeto do Parque Nacional do Iguaçu (PNI) que tem como missão a conservação da onça-pintada como espécie chave para a biodiversidade do Parque Nacional. A iniciativa, somada aos esforços de combate à caça ilegal empreendidos pela equipe de Proteção do PNI, tem gerado resultados animadores, entre eles o aumento significativo da população dos felinos na região.

As ações de conservação da espécie na região começaram ainda na década de 1990. Diante de um cenário de muitos abates de onças-pintadas e acentuado declínio populacional, o pesquisador Peter Crawshaw Jr. criou o projeto, inicialmente com o nome de ‘Carnívoros do Iguaçu’, iniciando o monitoramento de algumas espécies de carnívoros da Mata Atlântica. Desde fevereiro de 2018, a coordenação executiva é realizada pela Bióloga e doutora em Zoologia, Yara de Melo Barros (CRBio 030.830/07-D). Ela comenta sobre este cenário de ameaça de extinção da onça-pintada e celebra os bons resultados deste trabalho de conservação ambiental.

Sabemos que a onça-pintada – considerada um símbolo nacional da biodiversidade – é um animal em constante perigo de extinção. Qual é o quadro real atual?

A espécie já perdeu cerca de 50% de sua área de distribuição original (conforme Sanderson et al. 2002), e atualmente é encontrada do norte do México a noroeste da América do Sul, leste do Peru e Bolívia (ao leste dos Andes), por todo o Paraguai e Brasil e norte da Argentina (conforme Desbiez et al. 2013). Na Mata Atlântica a espécie está criticamente ameaçada. Estima-se que uma redução populacional de pelo menos 50%, provavelmente mais próxima a 87-90%, ocorreu nos últimos 10-15 anos na maior população de onças-pintadas da região do Alto Paraná. A perda de habitat tem sido considerada a principal ameaça para a espécie. A situação da espécie é tão grave na Mata Atlântica, que a estimativa é que existam menos de 20% de indivíduos remanescentes adequados para sua sobrevivência (conforme Ferraz et al. 2012).

Qual tem sido o principal impacto do projeto “Onças do Iguaçu” diante do cenário de ameaça da onça-pintada?

Alcançamos um aumento significativo de felinos na região. De 2009 até hoje, a população dobrou, de 11 para 22 indivíduos. É a única população de onças-pintadas na Mata Atlântica que está comprovadamente aumentando. Considerando o Parque Nacional do Iguaçu, o Parque Nacional Iguazu (Argentina), os parques provinciais na Argentina e a região do Parque Estadual do Turvo (Norte do Corredor Verde, no Rio Grande do Sul), já são atualmente cerca de 100 animais, o que representa aproximadamente um terço do total de onças-pintadas de toda a Mata Atlântica. Certamente é um resultado que deve ser comemorado.

Quais as principais ações do projeto?

Em 2018, reformulamos o projeto, que passou a ser chamado de Onças do Iguaçu. Desde essa reformulação, promovemos ações de pesquisa, manejo, engajamento e coexistência de seres humanos com grandes felinos. Nós visitamos as propriedades e identificamos quais as vulnerabilidades a ataques de grandes felinos e orientamos sobre mudanças no manejo que podem ajudar a evitar a predação. Sempre que possível, também instalamos equipamentos que ajudam na prevenção. O projeto fornece capacitação sobre boas práticas no manejo de animais domésticos e descarte adequado de carcaças. Já as pesquisas envolvem o monitoramento das onças-pintadas com rádio-colares, gerando dados como deslocamento, atividade, área de vida e ajudam na proteção dos animais. Também são usadas armadilhas fotográficas para o monitoramento tanto da densidade populacional das onças quanto dos animais que compõem a sua base de presas. Através de coleta e análise de fezes é possível estudar a dieta das onças.

A sociedade em geral pode ajudar nas ações de prevenção?

O envolvimento da comunidade é um dos fatores fundamentais para o sucesso do Onças do Iguaçu. Nos últimos anos temos ampliado muito os trabalhos com a comunidade, obtendo um retorno muito positivo. São feitas visitas constantes aos moradores lindeiros. Entre as atividades estão conversas nas escolas, trabalhos de conscientização sobre ações de prevenção com visitantes do Parque, palestras e conversas com moradores dos 14 municípios lindeiros ao PNI. São ações que ampliam conhecimentos sobre as onças, voltadas para a convivência harmoniosa entre pessoas e grandes felinos, com o objetivo de minimizar os conflitos e consequentemente a possibilidade de abate de onças.

Quais os principais desafios?

Um dos grandes desafios de todos os projetos de conservação é a busca de recursos para um trabalho tão complexo. Felizmente temos bons parceiros como o Fundo Iguaçu, WWF Brasil, National Geographic Society, Beauval Nature, entre outros, que permitem que o projeto possa existir. Temos o desafio diário de trabalhar para mudar a perspectiva e atitude que as pessoas têm em relação aos grandes felinos. Dizemos que o que precisamos é transformar o medo em encantamento. Além dessa mudança de perspectiva, diria que outro grande desafio está no combate à caça, na busca de mudar os referenciais culturais e mobilizar a opinião pública contra propostas de legislação que liberem a caça no país.

Como é a sua atuação profissional enquanto Bióloga dentro do projeto? Qual a importância da formação profissional em Biologia para um projeto complexo como esse?

Todo o trabalho operacional é realizado por uma equipe de cinco profissionais, entre eles, dois Biólogos. O Biólogo é formado para ter uma visão ampla sobre conservação ambiental, o que torna nossa formação importante para um projeto como este. O profissional de Biologia atua em todas áreas de ação do projeto, desde as atividades de pesquisa, a ações de engajamento e na interlocução com os setores da sociedade. É um projeto incrível e é certamente um sonho para nós, Biólogos, poder fazer parte de algo que faz a diferença diretamente na conservação da biodiversidade. É uma grande realização profissional.

Conservação da biodiversidade sempre foi seu foco profissional?

Sempre. Desde que me formei, já busquei o mestrado em Zoologia, trabalhei no projeto de conservação da Ararinha Azul, fui diretora técnica do Parque das Aves, fiz meu doutorado com esse foco de conservação da biodiversidade e sou membro do Conservation Planning Specialist Group (CPSG Brasil/IUCN). Estar neste projeto e ter a possibilidade de ajudar a conservação da onça-pintada é uma realização profissional e pessoal.