Introdução de espécies de peixes não nativas em rios do Paraná ameaça biodiversidade

7 de dezembro de 2021

Universidades e órgãos públicos do estado têm buscado soluções para realizar a repovoamento e soltura de forma adequada

O Cascudo (Pterygoplichthys ambrosettii), espécie dispersa e estabelecida por toda a bacia do alto rio Paraná, tem causado impactos na região. Foto: Diego Azevedo / AquaA3

A conservação de espécies nativas é fundamental para a manutenção da biodiversidade de água doce, e essa fauna encontra-se amplamente ameaçada pela presença de espécies não-nativas tanto alóctones quanto exóticas.

“É evidente a necessidade de programas de controle de introduções de espécies não-nativas e aplicação das normas do código florestal, que devem garantir a preservação da mata ciliar dos cursos d’água fornecendo melhores condições para a fauna aquática, em especial aos peixes”, afirma a Bióloga Dr.ª Rosilene Luciana Delariva (CRBio 25.095/07-D), docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná e coordenadora do Laboratório de Ictiologia, Ecologia e Biomonitoramento na Unioeste (Lieb).

A Bióloga cita o caso de Poecília reticulata (barrigudinho, guppie), que atualmente é a espécie mais abundantemente introduzida em território brasileiro, considerando-se ambientes de riachos. É nativa da Venezuela, Barbados, Trinidad, norte do Brasil e Guianas e foi introduzida em vários países para o controle de larvas de mosquitos, mas a introdução se tornou deliberada e, hoje, a espécie encontra-se difundida. Suas características fisiológicas permitem a adaptação e proliferação em qualquer ambiente, é altamente resistente a poluição, mudanças na qualidade da água, baixas concentrações de oxigênio dissolvido e baixas profundidas, além de se reproduzir rapidamente.

Rosilene, que tem mestrado e doutorado em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e experiência na área de ecologia de peixes, destaca que a presença de espécies não nativas causa danos à comunidade de peixes nativos em inúmeros aspectos: espécies não nativas podem competir com as nativas por recursos essenciais; alteração da ciclagem de nutrientes, como, por exemplo no caso do cascudo (Pterygoplichthys ambrosettii) – atualmente, essa espécie se encontra dispersa e estabelecida por toda a bacia do alto rio Paraná e tem causado efeitos consistentes sobre a ciclagem de nutrientes no ecossistema, além de exibir características biológicas que favorecem alto potencial de invasibilidade (como ovos grandes e larvas precociais que maximizam a sobrevivência da prole, e garantem o seu recrutamento); forte predação sobre espécies nativas e desequilíbrios nas teias tróficas; redução na abundância e peso médio de indivíduos jovens; mudanças no comportamento individual, alimentação, uso do habitat e movimentação das espécies; perda de espécies sensíveis a perturbações; alterações na estrutura trófica da comunidade; hibridização; perda do patrimônio genético original. “Essas modificações podem levar à extinção de espécies nativas, com consequente perda da biodiversidade e homogeneização biótica”, alerta a Bióloga.

Contribuição das universidades

Rosilene Delariva ressalta que as universidades ocupam uma posição importante como fonte geradora de conhecimento em vários aspectos da Biologia, ecologia das espécies, suas interações e processos ecossistêmicos. Para o sucesso de um repovoamento são necessárias múltiplas ações integradas de restauração de ecossistemas, de forma que os indivíduos que serão alocados nos ambientes escolhidos tenham condições favoráveis de sobrevivência. Caso contrário, todo o investimento (custo financeiro, logístico e mesmo de capital humano) é desperdiçado.

“Temos que usar os processos naturais a nosso favor, ou seja, quando as condições do ambiente são satisfatórias (condições abióticas dentro da faixa de tolerância como oxigênio, pH, temperatura da água e aquelas vinculadas a disponibilidade de alimento, habitats propícios para desova e crescimento das larvas e juvenis) o próprio potencial reprodutivo das espécies pode promover a recolonização. Porém, o que observamos na maioria das vezes é que o repovoamento ou a soltura, mesmo quando feita com espécies nativas, é restrito a ações descoordenadas, sem um planejamento estratégico, e baseado no conhecimento técnico. O que sempre vemos são ações populistas, com cunho político, desprovido de monitoramento para avaliar a efetividade do repovoamento. Nesse contexto, as universidades podem atuar mais fortemente na divulgação e educação permanente para que a sociedade entenda que não basta apenas soltar peixes, tem que propiciar condições adequadas para sua sobrevivência”, destaca a Bióloga.

Programa inovador no norte do estado

Pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL) estão desenvolvendo um programa para soltura de peixes no rio Paranapanema. Duas espécies, o dourado e o lambari-do-rabo-amarelo, foram reintroduzidas a partir de estudo inédito e adoção de metodologia inovadora sobre conservação e recuperação de peixes.

As espécies foram soltas em apenas uma parte da bacia hidrográfica, no Reservatório da Usina Hidrelétrica de Rosana, usado como modelo para a nova proposta. Em outra parte, no Reservatório Usina Hidrelétrica de Taquaruçu, foi utilizada a metodologia tradicional, para ter uma comparação. Resultados preliminares já apontam presença e permanência de grupo de espécies importantes em Rosana.

Segundo o Biólogo Dr. Mario Luis Orsi (CRBio 17.332/07-D), responsável pelo Laboratório de Ecologia de Peixes e Invasões Biológicas (Lepib), o estudo pode impactar a forma de fazer repovoamento de peixes. “A soltura de peixe controlada, com base técnica e científica, pode realmente ajudar, em qualquer local, a se fazer o manejo de conservação, que até então não era feito. Pode causar reflexo para pescadores, sociedade e como indicativo ambiental dessas áreas, pois a grande maioria das solturas carecem de informações da real eficácia desse manejo”, afirma.

O projeto, desenvolvido no modelo P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), é conduzido pelo Lepib, em parceria com o Laboratório de Genética e Ecologia Animal (Lagea), ambos do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da UEL, com apoio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), e financiamento da concessionária de energia elétrica CTG Energia Paranapanema S/A.

Sedest e IAT estabelecem novas normas para estocagem de peixes

Foto: Denis Ferreira Netto / SedestEm abril deste ano, a Secretaria do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest) e o Instituto Água e Terra (IAT) publicaram a Resolução Conjunta nº 10/2021, que define normas para estocagem de peixes, por meio de peixamentos, repovoamento e introdução de organismos aquáticos (peixes, moluscos e crustáceos, entre outros) para fins de reposição e manutenção dos estoques pesqueiros. Conforme o documento, todas as ações de soltura e repovoamento de peixes nas bacias hidrográficas do Paraná e seus afluentes devem ter autorização do órgão ambiental estadual.

O objetivo é proteger a fauna silvestre e o ambiente natural contra espécies invasoras. De acordo com a resolução, é proibido povoar com espécies exóticas ou invasoras, de origem estrangeira. Realizar a soltura de espécies exóticas de peixes acarreta em multa de R$ 2 mil, com possibilidade de acréscimos a depender da situação. Em anexo ao documento foi disponibilizada a relação das espécies permitidas no estado.

* Matéria com informações de Instituto Água e Terra (IAT) e Agência de Notícias do Paraná