Entrevista com Angelo Barbosa Monteiro Machado

5 de outubro de 2017

Por Bruna Magno

Aos 83 anos, o professor Angelo Machado recebeu do CFBio o título de Biólogo Honorário, por contribuir com a Biologia descrevendo 99 espécies de libélulas. Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em Anatomia, Angelo dedicou-se ao ensino e à pesquisa na área de Neurobiologia. Foi professor de Entomologia e, além das espécies que descreveu, seu nome foi incorporado a 55 organismos, entre libélulas, borboletas, abelhas, besouros, aranhas e até um fungo, em homenagens feitas por outros pesquisadores. Ao longo de sua vida, reuniu uma coleção de 35 mil libélulas, que foi doada à UFMG em 2015. Exerceu vários cargos em sociedades científicas e agências de fomento. Atualmente é diretor-presidente da Fundação Biodiversitas, dedicada à conservação da biodiversidade brasileira. Angelo também é escritor de livros infantis que exploram a temática da Biologia, e que já lhe renderam um Prêmio Jabuti.

O senhor é formado em Medicina. Na época, o que o fez escolher pelo curso e como foi que se aproximou da Biologia?
Eu me formei em Medicina por engano, pois deveria ter sido Biólogo. Desde menino, gostava de bichos, de andar no mato, coletar insetos e fazer aquários. Meu pai fez um laboratório para mim, ganhei um microscópio e, desde muito jovem, eu já estava motivado a ser Biólogo, especialmente zoólogo. No momento de escolher a profissão, fiquei entre os cursos de História Natural e o de Medicina. O problema é que, naquela época, o curso de História Natural estava muito no início, e, na dúvida, acabei indo para a Medicina, mas nunca exerci. Desde o início, fui professor, primeiro, de anatomia, e, mais tarde, de entomologia. Realmente eu não tinha vocação para Medicina. Aliás, foi não exercendo que salvei muitas vidas!

O senhor fez alguns estudos sobre antropologia física de índios. É uma área de estudos com a qual queria trabalhar ou foi alguma oportunidade que surgiu?
Eu nunca pretendi ser antropólogo. Durante minhas viagens à Amazônia em busca de insetos, especialmente libélulas, tive contato com sete tribos de índios. Eles são excelentes coletores e muito importantes para nos guiar nas matas. Nessas viagens, o professor de anatomia pediu-me que estudasse a frequência de um músculo do braço (palmar longo) que variava com o grupo étnico, mas nunca tinha sido estudado em índios brasileiros. Para isso, observei o braço de 372 índios e demonstrei que a frequência em índios brasileiros é muito diferente da de brancos e semelhante a dos mongóis e negros. Este resultado corrobora a hipótese mais aceita de que nossos índios vieram do oriente através do Estreito de Bering. Este foi meu único trabalho publicado em antropologia. Minha experiência com índios foi importante para elaboração de alguns dos meus livros infanto-juvenis como O casamento da ararinha azul, O tesouro do quilombo e O velho da montanha. Este último me deu o prêmio Jabuti de literatura, e a narrativa se passa em uma aldeia dos índios Tiriós do norte do Pará, onde estive durante um mês coletando libélulas.

Como surgiu o interesse pelos insetos?
Inicialmente, foi puramente estético sem nenhuma preocupação científica. Ainda muito jovem, comecei a colecionar borboletas, besouros e libélulas coletados nas fazendas do meu pai. Eu era sacristão da igreja de Lourdes quando fiquei conhecendo o padre Francisco Silvério Pereira, grande entomólogo e o maior especialista do mundo em coleópteros da família Scarabaeidae. Nós ficamos muito amigos e, frequentemente, colecionávamos insetos nas vizinhanças de Belo Horizonte. Juntos, fizemos seis grandes expedições à Amazônia atrás de insetos. Foi com o padre Pereira que eu aprendi entomologia. Devo a ele, especialmente, o fato de ter sido professor de entomologia durante 25 anos. Já a minha especialização em libélulas, devo ao Professor Newton Santos, com quem estagiei no Museu Nacional.

Como é o processo de descoberta de uma espécie e o que isso significa para a Biologia?
Reconhece-se uma espécie nova comparando o espécime em estudo com os demais descritos na literatura e verificando-se as diferenças, principalmente, os caracteres ligados ao isolamento reprodutivo. Entretanto a nova espécie só é válida depois que sua descrição é publicada em uma revista científica. A descoberta de novas espécies contribui para o maior conhecimento da biodiversidade que é o assunto central da Biologia. No momento, há uma corrida mundial entre Biólogos para descrever o maior número de espécies que for possível, pois sabe-se hoje que a velocidade da descrição é menor que a de extinção e, se continuar assim, o homem nunca vai saber quais espécies existiram na Terra nem sua importância ecológica e econômica.

Existe uma relação entre os nomes dos seus filhos e netos e os de algumas espécies de libélulas que o senhor descobriu?
O autor que descreve uma espécie frequentemente a dedica a pessoa que a coletou ou a pessoas por quem tem uma estima especial. Eu já descobri 99 espécies novas de libélulas. Destas, dez foram dedicadas a meus filhos e netos. Para os filhos: Rhionaeschna eduardoi, Rhionaeschna pauloi, Lauromacromia flaviae, Forcepsioneura lucia; e mais seis para os seis netos. No momento, estou trabalhando na descrição da sétima espécie para o neto Augusto que está prestes a nascer.

Qual o seu inseto favorito e por quê?
Essa é fácil: é a libélula. Ela é o ser vivo mais bonito do mundo (depois da mulher, principalmente a minha). A beleza da libélula está não só na forma, na cor, na graciosidade das asas e do voo, mas também na sua biologia extremamente interessante, em que se destaca o comportamento reprodutivo, único no reino animal. Estudo esses insetos há 65 anos, mas só agora, aos 83 anos, descobri a real importância da libélula: fazer do Angelo Machado um velho feliz!

O título de Biólogo Honorário era algo que esperava? O que esse título significa?
Foi totalmente inesperado e uma das maiores e melhores surpresas da minha vida! Eu fiquei muito alegre e feliz com esta honraria e é fácil saber o motivo. Durante toda minha vida, fiquei remoendo o fato de que deveria ter me formado em Ciências Biológicas e não em Medicina. Agora, finalmente, sou Biólogo e colega de dezenas e dezenas de Biólogos com os quais convivi desde jovem.

O fato de ser cientista ajudou o seu trabalho como escritor infantil?
No início atrapalhou um pouco, porque eu usava frequentemente a linguagem técnica em livro infantil. Entretanto, meu conhecimento de zoologia ajudou muito a bolar livros que um escritor não zoólogo dificilmente faria. Por exemplo: um zoólogo amigo meu descobriu que o Lobo-Guará come mais fruta do que carne, com isso a história de Chapeuzinho Vermelho foi modificada, o lobo mau, em vez de comer a vovozinha, comeu melancia. Nestes livros, realidade e ficção são misturados, mas, ao final, sempre tem um anexo que separa as duas coisas, fazendo a divulgação científica na área de Biologia.

Qual o legado que o senhor deixa para a Biologia?
Esta foi a pergunta mais difícil, pois nunca tinha pensado nela. Para a Biologia, meu legado está, talvez, nos 138 trabalhos e cinco livros científicos publicados nas áreas de neurobiologia, zoologia e conservação, nas 99 novas espécies de libélulas que descrevi, nas 56 descritas em minha homenagem e em minhas atividades para conservação da Biodiversidade no Centro para Conservação da Natureza em Minas Gerais e na Fundação Biodiversitas. Entretanto, acho que meu legado mais importante e que deverá aumentar por muitos anos é a publicação de 37 livros de literatura infanto-juvenil. É importante assinalar, entretanto, que o objetivo principal desses livros não é divulgar ciências, mas desenvolver na criança o hábito e o prazer da leitura, usando principalmente o humor. Um pai me contou que tinha um filho sempre triste e introspectivo, e a primeira vez que o viu rir foi quando leu meu livro O menino e o rio. O riso dessa criança simboliza o mais importante legado de minha vida.

Entrevista 2

Médico por formação, Angelo Machado recebeu título de Biólogo Honorário em março de 2017. Na foto, ele aparece com Wlademir João Tadei (presidente do CFBio) e Tales Heliodoro Viana (presidente do CRBio-4)
Crédito: Arquivo Pessoal/Angelo Machado