Bióloga trabalha pela conservação das araras-canindé em Campo Grande

23 de maio de 2023

Costumamos pensar no trabalho de conservação e recuperação de fauna em ambientes selvagens ou unidades de conservação. Mas existem muitos Biólogos e Biólogas envolvidos na proteção de espécies em ambientes urbanos. É o caso da Dra. Larissa Tinoco Barbosa (CRBio 135.077/01-D), Bióloga, doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional e pesquisadora do Instituto Arara Azul.

Larissa atua principalmente no Projeto Aves Urbanas – Araras na Cidade, que é executado pelo Instituto Arara Azul e tem como foco principal a arara-canindé (Ara ararauna). É um projeto de sucesso que acumula quase 15 anos de estudos sobre essa espécie e ajudou a expandir o conhecimento sobre seus hábitos, migrações e reprodução.

As araras-canindé surgiram em Campo Grande em 1999, como parte de um grupo que também incluía araras-vermelhas. Segundo Larissa, enquanto grande parte do grupo de araras-vermelhas migrou para outras regiões do estado, as araras-canindé se estabeleceram em Campo Grande, em um grupo de aproximadamente 40 indivíduos.

Bióloga Larissa Tinoco Barbosa

“Nossa cidade é bastante arborizada, então as araras acabaram se estabelecendo aqui, porque encontraram alimento em abundância e locais para reproduzir”, conta Larissa.

Depois da chegada das araras na cidade, a Profa. Dra. Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul e docente do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Uniderp, começou a orientar uma aluna de Biologia que estudou a alimentação das araras-canindé em Campo Grande. Logo depois veio Larissa, que estudou o comportamento reprodutivo das araras-canindé para seu trabalho de conclusão de curso.

Larissa monitorou dois ninhos da arara-canindé para o seu TCC em 2010. No ano seguinte, o trabalho cresceu, e já eram 16 ninhos conhecidos. Foi aí que surgiu o Projeto Aves Urbanas – Araras na Cidade. O nome do Projeto foi pensado com cuidado para não excluir outras espécies. Embora a espécie foco do projeto seja a arara-canindé, a equipe também estuda outras espécies que utilizam os mesmos ninhos que as araras, como tucanos, maracanãs-de-cara-amarela, suindaras e urubus.

Apesar de não ser ameaçada de extinção, não havia na época muitos estudos sobre a arara-canindé em vida livre e a maioria dos trabalhos relativos à reprodução da espécie era com animais de cativeiro. Além disso, a doutora Neiva Guedes, na época, decidiu aplicar o conhecimento de mais de 20 anos acumulados pelo Projeto Arara Azul no Pantanal com as araras em Campo Grande e entender a relação dessa espécie no ambiente urbano.

“O trabalho foi motivado pela falta de estudos com a espécie e sobretudo pela oportunidade e facilidade do ambiente urbano. Era uma grande oportunidade estudar a reprodução dessas aves em vida livre a longo prazo”, conta Larissa. “Os primeiros objetivos do projeto eram estudar a biologia básica da espécie, o comportamento alimentar, a reprodução – onde ela estava se reproduzindo, que espécies usava como ninho, o tamanho da ninhada, o número de filhotes que sobreviviam a cada ano – e como ela conseguia viver numa capital, em meio ao trânsito, pessoas e tantas outras perturbações”.

Desde 2011, o projeto já identificou 414 ninhos. Há uma média anual de 220 ninhos monitorados durante toda a estação reprodutiva, que vai de agosto a dezembro, em média, mas que às vezes se estende até o início do ano seguinte.

O trabalho de identificação de ninhos passa pelo engajamento da população campo-grandense, que liga, manda mensagem, chama no whatsapp do Projeto para avisar que avistou um ninho de arara-canindé e querendo saber se esse já está cadastrado.

“Os moradores têm uma relação muito próxima com a gente. Eles são nossos principais aliados, tanto de informação de novas cavidades, como também de comportamento dos indivíduos e disputa com outras espécies. Os moradores observam as araras no ninho que pode ficar no seu quintal, na rua, no seu estabelecimento e qualquer comportamento ou evento diferente, eles entram em contato conosco para avisar”.

O número de casais de araras-canindé se reproduzindo em Campo Grande aumentou também pela crescente disponibilidade de cavidades que esses animais possam utilizar para construir seus ninhos. A arara-canindé utiliza primariamente ocos de palmeiras mortas para fazer seus ninhos – só em Campo Grande, são cinco espécies, sendo três nativas e duas exóticas no paisagismo urbano. Mais uma vez, a colaboração dos moradores é importante: mesmo quando eles precisam, por algum motivo, fazer o destopo de alguma palmeira, costumam deixar o tronco para que alguma arara possa fazer seu ninho.

O apoio das autoridades locais também faz grande diferença: o Instituto Arara Azul faz parte do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Campo Grande e consegue trabalhar por políticas que protejam as araras e outras espécies que se reproduzem em cavidades, como uma lei municipal vigente que proíbe o corte dos ninhos ou campanhas para coibir o uso de cerol e linha chilena, que podem machucar ou matar as aves.

Com a articulação de outras ONGs e o Instituto Arara Azul, as autoridades se engajaram: recentemente, Campo Grande foi declarada a capital do turismo de observação de aves. A arara-canindé foi reconhecida em 2015 como ave símbolo de Campo Grande, e, em 2021, a cidade foi reconhecida como a capital das araras. Existe o Dia Municipal da Conservação das Araras, comemorado em 22 de setembro, e o Dia Municipal de Observação de Aves, em 28 de abril.

Desde o início do projeto, mais de 900 filhotes foram identificados, o que está permitindo, com o passar dos anos, a compreensão de até onde as canindés migram – adultos anilhados já foram vistos a mais de 200 km de distância da cidade; com que idade começam a reproduzir em vida livre (três anos); e seus hábitos alimentares (o projeto identificou mais de 35 espécies diferentes na dieta da canindé em Campo Grande, em sua maioria polpa (mesocarpos) de frutos).

Mulheres na Conservação – Equipe fazendo Biometria. Foto: Everson Freitas

“Para monitorar e marcar os filhotes, nós os capturamos no final do desenvolvimento, quando eles estão com idade acima dos 70 dias de vida. Fazemos o trabalho de biometria, que é pesar, medir os filhotes e verificar se eles têm alguma lesão ou ectoparasita, e fazemos a marcação com a anilha”, explica Larissa. “Cada indivíduo tem uma numeração, que é o RG daquele animal. Além da anilha, nós colocamos um nanochip que vai na musculatura peitoral, e recentemente, em 2021, começamos a instalar em alguns filhotes o colar com a medalha de identificação, que vai no pescoço do animal e facilita a identificação pelos moradores. Tudo isso ajuda a entendermos o deslocamento desses animais e sabermos mais um pouco sobre a área de vida deles”.

O conhecimento gerado pelo projeto se aplica a vários campos. Da mesma forma que Larissa se dedicou a estudar a reprodução da arara-canindé, outros pesquisadores se debruçam sobre suas migrações e alimentação. Também estão sendo desenvolvidos estudos sobre graus de parentesco dos espécimes, aproveitando a coleta de sangue dos filhotes para sexagem e DNA, sobre genotoxicidade e aspectos sanitários, entre outros assuntos. Há também trabalhos de educação ambiental em escolas e treinamentos realizados com pesquisadores de outros estados brasileiros e até do exterior sobre o manejo das araras.

Além de todo esse conhecimento gerado, o Projeto trabalha a conscientização da sociedade sobre a importância de conservar a arara-canindé através de um modelo de turismo de observação conhecido por seus aspectos éticos: durante a estação reprodutiva, o Projeto organiza eventos em que o turista acompanha um dia de trabalho dos pesquisadores, observando os ninhos e conhecendo o processo de identificação dos filhotes. Nada na rotina é modificado pela presença dos turistas; eles acompanham o trabalho e podem compreender a importância do estudo e da conservação das araras de forma imersiva e respeitosa. E os moradores estão sempre observando o trabalho de campo dos pesquisadores.

“É muito encantador, porque o nosso campo é a rua. Nós monitoramos ninhos na calçada, no canteiro central na principal avenida de Campo Grande. A gente está marcando filhote debaixo de uma sombrinha lá, e as pessoas vêm perguntar o que estamos fazendo, querem olhar, participar, conhecer. O momento de conscientização, de conversar é a todo momento”, conta ela.

Larissa considera que a maior vitória do projeto é ver como a população de Campo Grande adotou as araras-canindé e se engaja na sua proteção, chegando até mesmo a querer defender as araras que disputam o ninho com outros pássaros – é preciso explicar que não se deve impedir os tucanos ou urubus de ocuparem os ocos das palmeiras, e que eles também precisam do espaço para reprodução.

Além do conhecimento científico, sobre a própria espécie, porque a gente só consegue conservar o que a gente conhece, eu acho que a maior vitória é o envolvimento da comunidade: é levar informação científica e envolver as pessoas para a conservação, porque a gente não faz as coisas sozinha. Não adianta pesquisar e ficar com aquilo para a gente. A divulgação de informações e da importância de se conservar é para a nossa própria sobrevivência. A gente depende do ambiente: se não houver qualidade ambiental, a nossa qualidade de vida também se reduz muito”, alerta ela.

O trabalho de pesquisa, conservação e educação realizado pelo Projeto Arara Azul e Projeto Aves Urbanas depende do apoio e patrocínio de seus parceiros, que podem ser encontrados em https://www.institutoararaazul.org.br/parceiros


* Matéria produzida pelo CRBio-01