Atuação de Biólogos em desastres ambientais é imprescindível para a redução dos impactos

2 de abril de 2020

Desastre ambiental em Mariana (Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil)

* Matéria publicada na edição nº 42 da Revista BIOPARANÁ. Confira a edição completa aqui.

Sempre que ocorre um desastre ambiental os meios de comunicação dão destaque para o intenso trabalho de bombeiros, médicos, psicólogos, dentre outros profissionais,no atendimento às vítimas. Já com relação à conservação da fauna/flora e à redução dos impactos pouco se fala sobre a atuação dos profissionais envolvidos. Em situações como essas os Biólogos também exercem um papel fundamental, e a contribuição desses profissionais igualmente merece destaque.

A atuação dos Biólogos vai desde o acompanhamento in loco do trabalho de manutenção da integridade dos recursos faunísticos, florísticos, hídricos, dentre outros – como na mitigação dos impactos – até aintervenção direta na gestão da crise ambiental instalada.

As experiências de profissionais que atuaram nos casos emblemáticos a seguir reforçam essa relevância.

Acidente com o navio Vicuña: um dos maiores desastres ambientais do Paraná

Na noite de 15 de novembro de 2004 o navio chileno Vicuña, da SociedadNavieraUltragas, explodiu quando estava atracado no porto de Paranaguá, no Paraná, deixando quatro tripulantes mortos e despejando no mar milhões de litros de óleo e metanol.

Naqueleano, a Bióloga Cosette Xavier da Silva (CRBio 25.263/07-D) era coordenadora do Núcleo de Fauna e Recursos Pesqueiros do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e teve uma atuaçãofundamental na gestão da crise. A Bióloga esteve na coordenação das ações, juntamente com a equipe do EscritórioRegional do Ibama em Paranaguá e do Parque Nacional de Superagui.

Cosette relata que o impacto das explosões atingiu a baía de Paranaguá, afetando também, severamente, a fauna marinha (peixes, tartarugas, golfinhos e outros animais) e a flora costeira, pois foram contaminadas pelo vazamento ocorrido após as explosões. “A situação era tão ruim que só se podia ver os danos ocorrendo, de difícilcontrole. Foi necessária a intervenção dos órgãos públicos para evitar maiores prejuízos ambientais”, diz a Bióloga.

Como ação imediata foi criado um grupo de trabalho que tinha a Defesa Civil na coordenação geral e contava com a participação de representantes do Ibama, do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), da Marinha, daCapitania dos Portos,do Corpo de Bombeiros, da Polícia Federal e outras instituições.

Para mitigar os efeitos do acidente foram tomadas diversas medidas,que incluíram o resgate e atendimento da fauna impactada, acompanhamento da movimentação da mancha de óleo, acompanhamento da retirada do óleo, elaboração de atos administrativos como laudos periciais, relatórios para subsidiar o auto de infração e normas específicas,além da atuação junto às comunidades pesqueiras locais.

Essas ações dão a dimensão da importância da atuação de Biólogos em situações de crise, pois sua visão sistêmica do meio ambiente contribui na avaliação crítica do cenário posto. “Era necessária a presença de profissionais que tivessem experiência na coleta de dados direcionada, com visão de gestão para as tomadas de decisões importantes, comoa proibição da pesca, práticas de esportes e banhos nas áreas com mancha de óleo, a intervenção em áreas de preservação permanente, entre outras. A ação do Biólogo tem a qualificação para ser esse gestor e tomar asprovidências necessárias”, enfatiza Cosette. Na avaliação dela, o trabalho do Biólogo contribui para avaliar os impactos do acidente, permitindo a ele tomar as melhores decisões nas medidas mitigadoras a serem adotadas.

Um rio de lama em Mariana

A tarde do dia 5 de novembro de 2015 marcou para sempre o subdistrito de Bento Rodrigues, localizado a 35km do centro da cidade de Mariana e a 124 km de Belo Horizonte, em Minas Gerais. O rompimento da barragem deFundão, controlada pela Samarco Mineração S.A. (empreendimento conjunto da empresa brasileira ValeS.A. ea anglo-australiana BHPBilliton), espalhou um rio de lama e rejeitos de mineração.

Os mais de quarenta milhões de metros cúbicos de resíduos destruíram as localidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, matando 19 pessoas e afetando diversos municípios às margens do rio Doce e litoral do Espírito Santo.
O Biólogo Leonardo Pussieldi Bastos (CRBio28.808/07-D) é pesquisador do Lactec – Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento e, atualmente, coordenador geral do Diagnóstico Socioambiental dos danos causados pelo rompimento da barragem. Trata-se de um trabalho realizado para o Ministério Público Federal, cujo objetivo é avaliar os danos decorrentes do desastre e prestar assessoria técnica nos diferentes temas ambientais para a Força-Tarefa Rio Doce.

Leonardo coordena uma equipe multidisciplinar de cerca de 200 pessoas de diversas áreas do conhecimento e com abrangência em diferentes meios: físico, químico, biológico, econômico e social. Fazem parte dessa equipe vários Biólogos, além de profissionais das áreas de geologia, engenharia florestal, engenharia civil, engenharia ambiental, engenharia química, oceanologia, arqueologia e economia. “Essa pluralidade de formações é fundamental para uma compreensão sistêmica dos danos, em função da magnitude do desastre”, destaca o Biólogo.

A comprovação dos danos ocasionados por desastres é muito mais árdua e complexa que demais estudos de impactos ambientais realizados, por exemplo, em processos de licenciamentos de empreendimentos. Segundo Leonardo, um estudo dessa magnitude deve contemplar pelo menos quatro etapas: definição da situação pré-desastre (linha base), identificação de danos ambientais pós-desastre (diagnóstico pós-desastre), mensuração de danos ambientais pós-desastre (diagnóstico de danos) e valoração econômica de danos pós-desastre (valoração de danos).

A partir do trabalho coordenado por Leonardo Bastos estão sendo produzidos estudos para identificação, caracterização e mensuração de todos os danos socioambientais decorrentes do desastre, os quais poderão servir como referência técnica para o MPF e demais órgãos ambientais nos procedimentos judiciais sobredesastres ambientais.

Esse trabalho é mais um a dar a dimensão das possibilidades de atuação dos Biólogos. “A visão sistêmica de um Biólogo permite melhor avaliar e compreender a complexidade de desastres ambientais, favorecendo o entendimento sobre a afetação ao meio ambiente”, avalia Leonardo. Nesse sentido, diz ele, esses profissionais podem atuar de diversas formas.

Visão de Biólogo e experiência para tomar decisões em desastres

Quando se formou em 1997 o Biólogo Durval Nascimento Neto (CRBio 28.816/07-D)não imaginava que seria responsável por atender tantos acidentes com produtos perigosos. Desde então, ele esteve em mais de mil atendimentos, sendo sete anos na Refinaria Presidente Getúlio Vargas ou Refinaria do Paraná (Repar) e dez anos no transporte ferroviário de cargas. “Fui o primeiro Biólogo a percorrer o caminho devastado pelo vazamento de 5 milhões de litros de petróleo que atingiram os rios Barigui e Iguaçu no ano de 2000. Lembro do ‘mar negro’ cobrindo as águas dos rios, peixes e aves mortos, e da população ribeirinha perplexa. Sem dúvida, foi a maior catástrofe que presenciei! Trabalhei em apoio à defesa civil e às diversas equipes de contenção e recuperação do petróleo”, relembra Durval.

Como gerente de meio ambiente da ferrovia que transportava cargas do Rio Grande do Sul até Mato Grosso (17.000 km de malha ferroviária)entre 2002 e 2012, Durval Neto foi responsável por criar e equipar a estrutura de atendimento a emergências. “O mais importante durante um atendimento de emergências é manter a calma, contar com equipes treinadas e equipamentos adequados. Se não está preparado, não arrisque sua vida e nem a dos outros”, orienta.

A visão de Biólogo e a experiência adquirida contribuíram na tomada de decisões em cada acidente. Enquanto atendia as emergências, já planejava como faria para minimizar danos e recuperar as áreas afetadas. As recuperações de áreas impactadas exigem a experiência de profissionais de diversos campos de atuação trabalhando juntos. “A presença de um Biólogo é fundamental e obrigatória,porque detemos o conhecimento sobre a evolução das espécies e da vida, essencial para a recuperação de qualquer ambiente afetado”, conclui Durval.